Entenda a relação entre o glisofato, a moda e o aumento de casos de aborto.
O glifosato é o agrotóxico mais usado no Brasil. Seus impactos na saúde humana são tão conhecidos que o Ministério Público pediu que sua comercialização fosse suspensa até que a Anvisa fizesse uma reavaliação toxicológica. Em agosto de 2018, a justiça proibiu o uso deste produto. Duramente combatida por ruralistas e pela indústria, a decisão foi suspensa semanas depois.
Algumas pesquisas já apontam a presença do glifosato em rios, substratos e lençóis freáticos. Dessa forma, ele pode estar degradando outras substâncias que não são possíveis de ser identificadas. Além disso, como se trata de um herbicida, ele pode eliminar várias outras espécies ou até mesmo atingir outras culturas que não são o seu alvo.
Perigo para as grávidas
Em 2018, uma pesquisa com mulheres expostas ao glifosato no Piauí (região de cultivo de soja, milho e algodão) estimou que uma em cada quatro gestantes da região sofreu aborto espontâneo por culpa do agrotóxico. Na mesma linha, um levantamento da Universidade Federal desse mesmo estado apontou a presença de glifosato no leite materno de 83% das lactantes que participaram do estudo. E constatou que 14% dos bebês nascem com baixo peso por esta mesma causa (quase o dobro da média nacional).
A presença da substância no leite materno indica que a contaminação direta ou que as quantidades utilizadas na atividade agrícola da região são tão elevadas, que o excesso não foi metabolizado pelas plantas. O curioso é que as mulheres estudadas sequer trabalham nas lavouras: elas estão intoxicadas porque fazem limpeza, cozinham nas fazendas ou porque comeram o herbicida nos alimentos.
Sem saber que estão grávidas, muitas mulheres seguem trabalhando cercadas pelo glifosato e, por isso, acabam tendo a gestação interrompida logo nas primeiras semanas. Outras gestantes, mesmo sabendo dos riscos, não podem deixar o trabalho porque dependem do salário. As que passam da fase mais crítica correm alto risco de ter má formação do feto.
O mesmo veneno que garante a riqueza dos fazendeiros está provocando uma epidemia de intoxicação com reflexo severo em mães e bebês. Este agrotóxico representa quase a metade de todos que são comercializados no Piauí.
Mas, e o PL 6299/02?
Conhecido como PL do Veneno, a flexibilização da aprovação de novos agrotóxicos é um movimento da bancada ruralista para banir o termo “agrotóxico” (para que sejam chamados de pesticidas) e para mudar os critérios de avaliação desconsiderando os impactos à saúde e ao meio ambiente. Proposto pela frente parlamentar formada por empresários do agronegócio, o PL impacta diretamente a vida da população, mas foi construído de forma unilateral, sem qualquer diálogo com a sociedade. Os principais argumentos em favor do PL já foram rebatidos por uma série de especialistas. A Anvisa, a Comissão de Direitos Humanos, a Abrasco, a Fiocruz e uma série de entidades já se posicionaram contra a aprovação do projeto. O avanço desta pauta se soma ao cenário preocupante em que mais de 2.000 agrotóxicos já foram liberados nos últimos quatro anos, um recorde negativo para a saúde humana e o meio ambiente.
Um passo para trás na moda sustentável
O Brasil é o maior mercado de agrotóxicos do planeta e o algodão é a quarta cultura que mais consome essas substâncias, sendo responsável por aproximadamente 10% do volume total de pesticidas utilizado no país. Entre os mais utilizados está ele, o glifosato, que pode causar diversos efeitos na saúde, como aborto espontâneo e câncer, além de diversos problemas ambientais.
O Brasil é também um grande exportador de celulose solúvel, matéria-prima para a produção de viscose. As culturas de eucalipto e algodão utilizam de 7 a 10 tipos dos agrotóxicos mais vendidos no Brasil, respectivamente. Entre os mais utilizados está o acefato, na 4º posição, com alto potencial carcinogênico e o Imidacloprido, na 7ª posição, considerado um dos mais fatais para abelhas, polinizadoras importantes, o que gera preocupação tanto do ponto de vista econômico, quanto socioambiental.
A aprovação do PL ameaça a exportação do algodão brasileiro, já que a Europa e os Estados Unidos caminham em um movimento de redução de agrotóxicos, sendo que produtos proibidos lá são os mais vendidos por aqui. Em curto prazo, a mudança deve afetar o próprio negócio de exportação das commodities brasileiras. A aprovação do PL 6299/02 como estratégia de negócio, é considerada para os especialistas da área um “tiro no pé”.
Em meio à sociedade que opta por escolhas mais sustentáveis pensando no futuro, notícias como essa preocupam quem está engajado nessa luta, mas não desencorajam. A gente segue alerta!
Fontes: The Intercept Brasil | CEE | ISTOÉ | Repórter Brasil | Noticiando MS